“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Vencido palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores (…) Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados”.
O icônico trecho final de Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, narra a história do massacre de Canudos e exalta uma história de resistência que inspirou autores de todo o país e até de fora do Brasil, a exemplo do escritor peruano, Prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa (no romance A Guerra do Fim do Mundo, 1981).
Vozes sertanejas resistentes ou que são representadas por outras que se insurgem contra a história oficial, que há 125 anos exaltava os vencedores, se reúnem na segunda edição da Feira Literária de Canudos (Flican). O evento, que será realizado desta quinta-feira, 8, a sábado, 10, de forma virtual, discute temas diversos permeados pelo universo do sertão real e mítico de Antônio Conselheiro.
A Feira Literária de Canudos traz, entre as atividades, palestras, mesas de debates, videodocumentários, exposições, lançamentos de livros e performances artísticas. São muitos os convidados de destaque, como Aleilton Fonseca, Franklin Carvalho e Marcelino Freire, os poetas Bráulio Tavares e Cida Pedroso e os diretores teatrais Paulo Dourado e José Celso Martinez, criador do lendário Teatro Oficina.
A Flican tem ainda entre os convidados os jornalistas Xico Sá e Franklin Martins e o cineasta Antônio Olavo. Entre as atrações musicais estão Targino Gondim, Gereba, Fábio Paes, Roze, a Orquestra Sisaleira de Conceição de Coité e Bião de Canudos. São muitos os nomes e estes exemplos configuram apenas um recorte, sem valoração.
Discursos resistentes
Toda a vasta programação da Feira poderá ser conferida, gratuitamente, pelo público no canal de YouTube do Campus Avançado da Uneb em Canudos e pela Canudos TV (youtube.com/user/lequinhocriativo).
Escritor e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), o baiano Aleilton Fonseca afirma que “o sertão precisa falar. Nos interessa buscar a história a partir das vozes sertanejas que ficaram emudecidas pela narrativa oficial”, reivindica.
Autor de diversas obras, inclusive sobre Canudos, Aleilton observa que “vem surgindo uma narrativa sertaneja, e nós precisamos ouvir novas falas outras interpretações”.
No sábado, às 16h10, o escritor participa da mesa 6 (Lançamentos), que contempla obras de autores como Franklin Carvalho, Ádila Mandança, Pedro Vasconcelos, Ester Figueiredo e Geraldo Prado.
Em parceria com Silvio Jessé, lança o livro Belo Monte Canudos: a Terceira Margem. As obras são do artista visual conquistense Sílvio Jessé e o texto, de Aleilton.
A poeta Cida Pedroso, que no ano passado foi agraciada com o Prêmio Jabuti nas categorias Livro do Ano e poesia por Solo para vialejo, longo poema sobre o sertão pernambucano, afirma que “Canudos tem importância histórica. Conheci quando participei da Feira Literária de Uauá. Senti todo o peso da história de Canudos no meu corpo quando fui visitar o Campo Santo. Senti a voz, a dor das pessoas, a luta”, revela.
A autora, que participa amanhã, às 20 horas, da mesa 5 (Literatura, Poesia e Virtualidade) em parceria com Emmanuel Mirdad com mediação de Maviel Melo, lembra que as pessoas estão convivendo com a morte diariamente e que a arte foi a primeira a entrar na casa delas para levar conforto. “Estou louca para voltar o modo presencial, mas o virtual democratiza. Se não fosse ele, não poderia estar em Canudos”, conta.
Homenageados
O tema central é o mesmo da primeira edição: “O Sertão vai virar Arte”. A primeira mesa tem início às 14h40, abordando o tema “Assombros e Encantados no Imaginário Sertanejo”. A mesa contará com a professora da Universidade do Sudoeste da Bahia (Uesb) Ester Figueiredo e os escritores Franklin Carvalho e Márcio Benjamin.
O curador da feira, Luiz Paulo Neiva, informa que na abertura, nesta quinta, às 16 horas, acontece o lançamento do Selo Flican e a premiação do concurso literário voltado para a produção intelectual dos estudantes de Canudos, quando serão contemplados os melhores colocados com tablets e aparelhos celulares. Os textos serão também publicados em livro. Neiva, que amanhã às 14h15 participa da mesa 3, Evocação de Canudos, frisa que “o caráter virtual permitiu que muitos autores e pesquisadores de renome pudessem participar do evento que mobiliza a cidade”.
Esta edição homenageará quatro personalidades pelas suas valiosas contribuições à preservação da memória e da história de Canudos: o professor José Calasans Brandão da Silva (1915-2015), considerado um dos maiores conhecedores da guerra de Canudos e o educador e Edivaldo Machado Boaventura (1933-2018), que, entre outras iniciativas, criou quando secretário da Educação do Estado, em 1986, o Parque Estadual de Canudos.
Também serão homenageados o artista plástico Trípoli Francisco Gaudenzi e o laureado fotógrafo Evandro Teixeira. O artista visual conta que suas fotografias foram incorporadas ao acervo do Instituto Moreira Sales, no Rio Janeiro, mas antes disso uma parte pode ser vista no Museu de Canudos. Evandro é autor dos livros Fotojornalismo (1983) e Canudos 100 anos (1997), entre outras publicações.
A conferência inaugural sobre José Calasans, o demiurgo de Canudos, que acontece nesta quinta as 20h30, será proferida por Walnice Galvão, professora emérita de teoria literária e literatura comparada da USP. Com mais de 42 livros publicados, foi consagrada como uma das maiores estudiosas da obra de Euclides da Cunha e da história da luta de maior resistência do sertão brasileiro.
Por A Tarde