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Os 80 years de Sergio Mendes

Eu sei que você veio a este texto para ler. Mas se você clicar no vídeo acima, mesmo que seja só para ouvir ao fundo enquanto continua a leitura, vai notar que já conhece essa canção. Circulando por rádios, TVs e discos de vários países desde o início dos anos 80, Never Gonna Let You Go ganhou sua versão mais conhecida no disco de um músico de Niterói, radicado nos Estados Unidos desde a década de 1960: Sergio Mendes, que nesta quinta-feira, dia 11, completa 80 anos de vida. A presença internacional é uma das marcas desse músico.

Outra marca é a profusão de gravações que se tornaram hit parades. A mais emblemática destas é Mas que Nada, composta por Jorge Ben e presente no disco Herp Albert Presents Sergio Mendes & Brazil’66, justamente no ano de 1966. Foi a primeira canção de um brasileiro a constar na lista de mais populares da célebre revista Billboard. Ouça aqui:

Mesmo um rosto marcante como o de Sergio Mendes, com sua barba rala e sorriso saltado, é talvez pouco conhecido se comparado à popularidade de suas gravações. Isso porque sua presença mais constante não se dá empunhando um microfone, mas sentado diante das teclas de um piano ou órgão elétrico. E, frequentemente, tendo à sua frente, aí sim, uma voz como a de tantos artistas que se apresentaram ao seu lado. A mais constante sendo a da cantora Gracinha Leporace, sua esposa desde a época do mais conhecido grupo já criado por Sergio Mendes, o Brasil’66.

É possível fazer uma enorme lista de feitos que denotam a popularidade de Sergio Mendes. Além dos grandes sucessos, pode-se mencionar sua apresentação no Oscar de 1968, sua música tema das Olimpíadas de Los Angeles, seus três Grammys – fora as indicações -, apresentações prestigiadas como as do Royal Festival Hall, abrindo para Frank Sinatra, e no Carneggie Hall, além dos trabalhos das últimas décadas, que incluem convidados como Will.I.Am, Erykah Badu, Carlinhos Brown e Black Eyed Peas.

Enfim, se fôssemos nos ater a esses índices de popularidade, teríamos mais umas boas linhas para preencher. Mas essa lista pode ser encontrada em todos os sites de divulgação ou entrevistas promocionais que transbordam da internet. O mais difícil é encontrar estudos e análises de sua obra. Por alguma razão, é mais fácil encontrar menções a Sergio Mendes como parte de outros assuntos do que sua presença como foco ou parte significativa de um estudo.

Capa do disco Você Ainda Não Ouviu Nada – Foto: Reprodução

Mas um desses estudos que emergem e que o colocam como foco é o de Rafael dos Santos e José Roberto Zan, professores do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os autores tratam do disco Você Ainda Não Ouviu Nada, de Sergio Mendes e Bossa Rio, lançado em 1964. Mostram como o álbum oscilava entre a suavidade da bossa nova e a estridência daquilo que estava se consolidando sob a denominação de samba jazz. Além das análises técnico-musicais sobre as composições e seus arranjos, eles ressaltam o momento pelo qual passava o País e a influência desse fator na estética que se apresentava. “Se a bossa nova foi um estilo que refletiu, de certo modo, com seu lirismo e caráter intimista, certa utopia de Brasil moderno que se construiu especialmente no momento da euforia desenvolvimentista do governo JK, a sonoridade do samba jazz parecia expressar novos impasses da modernização brasileira nos anos 60”, refletem. Esses impasses, no contexto do então recente golpe militar de 31 de março de 1964, formaram parte da tensão entre a suavidade e a estridência que os autores reiteram. Não por acaso, vários intérpretes das canções de protesto foram acompanhados por conjuntos de samba jazz.

Uma outra aparição mais evidente de Sergio Mendes em trabalhos acadêmicos foi apresentada no 35º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, em 2012. Anna Carolina Diniz e Thiago Soares, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), destacam o papel de alguns músicos como cicerones do Brasil no exterior. Artistas como Astrud Gilberto, Daniela Mercury e, especialmente, Carmen Miranda, funcionaram como espécies de embaixadores, apresentando visões de um Brasil, ainda que estereotipado, para públicos internacionais. Para Diniz e Soares, Sergio Mendes sintetizou a bossa nova e o samba, ocupando, num único lugar, o espaço deixado por Carmen Miranda e o horizonte aberto por Tom Jobim e João Gilberto.

Essa abordagem dos artistas como embaixadores – ou cicerones – de seus países para os estrangeiros é interessante. Podemos enxergar Sergio Mendes como alguém que recortou um pedaço da música brasileira para mostrá-la como representação do Brasil. Mas também é impossível não destacar que ele colocou em evidência obras de artistas estrangeiros, alguns dos mais consagrados, inclusive. Sua gravação de The Fool on the Hill, dos Beatles, foi elogiada pelo próprio Paul McCartney. Numa carta, o ex-beatle disse-lhe que era sua versão favorita da música.

A versatilidade de Sergio Mendes dificulta uma categorização que o defina peremptoriamente. Mas, como em todos os aniversários de artistas, a gente fica caçando um jeito de escrever o último parágrafo com algo que se aproxime de uma síntese. Você pode encontrar outras maneiras de entender Sergio Mendes e, provavelmente, serão igualmente válidas. Aqui escolho, como esse enquadramento final, as vozes femininas cantando Mas que Nada, num português cheio de sotaque dos Estados Unidos. É só voltar lá em cima e ouvir o segundo vídeo do texto. Sergio Mendes como um Brasil que é cantarolado por gente de línguas as mais diversas. E um brasileiro que empresta suas origens musicais a composições do cenário internacional.

Por Jornal da USP

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