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Livro traz a público cartas escritas por Antonio Candido

“Prezado Sr. Cláudio Giordano.” Assim começa a maior parte das 20 cartas que, entre 1991 e 2015, o crítico literário e professor da USP Antonio Candido (1918-2017) enviou para o editor, tradutor e amigo que em 1990 fundara a Editora Giordano. Essas cartas estão reunidas no livro Antonio Candido, Mestre da Cortesia – Cartas a Cláudio Giordano, que a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo lançou recentemente.

Geralmente curtas – às vezes apenas algumas linhas de agradecimento por livros enviados pelo editor -, as cartas permitem conhecer um pouco da biografia, do pensamento e da personalidade de um dos maiores intelectuais da história do Brasil. Na carta datada de 10 de junho de 2004, por exemplo, Candido dá mostras do seu temperamento especulativo, curioso e abrangente. Descrevendo sua condição de leitor, o professor lembra que seu pai, “médico muito culto”, se alarmava com o filho a “borboletear de livro a livro, sem método”, recomendando que escolhesse alguns temas e se concentrasse neles. “Mas qual! O que eu queria mesmo, e sempre quis, foi divagar. Por isso nunca fui especialista em nada e passei a vida indo e vindo da sociologia à crítica, da crítica à história, da história à crítica literária”, escreve Candido, valorizando o “espírito de passeio, que abre para a nossa inconstância veredas tão agradáveis”.

O editor Cláudio Giordano – Foto: Reprodução

Em resposta aos questionamentos de Giordano – sempre interessado em descobrir e publicar bons autores esquecidos ao longo do tempo -, Candido exerce em poucas linhas a sua vocação de crítico literário. Do escritor e ator mineiro Odilon Azevedo (1904-1966) – filho de sua tia Leoncina Cândida de Mello e Souza -, destaca a publicação, em 1923, de Macegas, que teve algum sucesso e recebeu crítica favorável de Monteiro Lobato. “É sem dúvida bom, mas não creio, data venia, que possa ser considerado precursor de Guimarães Rosa”, escreve na carta enviada em 29 de maio de 1999. “A linguagem não tem invenção e o monólogo contínuo ocorria na literatura regionalista, como se pode ver em Afonso Arinos e Simões Lopes Neto.”

Em carta de 21 de dezembro de 1993, o professor admite ter sido “uma revelação” a leitura do livro Medicina Teológica, de Francisco de Melo Franco (1757-1822), então recém-publicado pela Editora Giordano. Médico nascido em Minas Gerais e formado em Coimbra, Melo Franco defende, nessa obra, que as doenças se devem a males do corpo e não aos pecados da alma, como os influentes clérigos da época pensavam. Segundo Candido, o livro “atrai pela marcha sinuosa da exposição, graças à qual o autor se esgueira entre as malhas da censura do tempo”. Ele acrescenta: “É curioso como ele vai procurando mostrar a base fisiológica dos vícios e das perturbações da mente, enfrentados como simples falta de virtude pelos confessores, aos quais recomenda que estudem fisiologia e neurologia, completando o ministério espiritual pela arte de formular”.

Capa do livro lançado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Foto: Reprodução

Aos amigos, Candido se refere sempre de modo cordial e afetuoso. A respeito do crítico de teatro e professor da USP Décio de Almeida Prado (1917-2000), que morrera seis dias antes, aos 82 anos, diz numa carta datada de 10 de fevereiro de 2000 que era “um incomparável amigo de mais de 60 anos, ao longo dos quais pude ver bem que homem excepcional tive o privilégio de ter como parceiro de uma convivência da qual só me vieram oportunidades de aperfeiçoamento e momentos de alegria”. Lembrando o grupo fundador da revista Clima – publicada entre 1941 e 1944 por jovens intelectuais como Candido, Paulo Emilio Sales Gomes e Gilda de Mello e Souza, entre outros -, ele menciona que todos concordariam em considerar Almeida Prado “o melhor de todos”.

Em outra carta, o jornalista, professor e crítico literário pernambucano Álvaro Lins (1912-1970), membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), é chamado por Candido de “o maior crítico brasileiro”. “Ele era meu amigo e eu sempre tive por ele uma grande admiração”, escreveu o professor em 16 de junho de 2014.

Além das cartas, Antonio Candido, Mestre da Cortesia traz a seção Adendos, com textos referentes a temas citados nas cartas. Um deles reproduz a apresentação que Candido escreveu para o livro Sahumerio, do escritor peruano Luis Fernando Vidal, também publicado pela Editora Giordano, em 2010.

Outro texto da seção Adendos é um curioso relato de Giordano sobre uma suposta tradução feita por Candido. Acontece que, certa vez, o editor se deparou com uma antologia de textos de autores norte-americanos e, nela, havia a tradução de Loura e Grandalhona, da escritora Dorothy Parker (1893-1967), assinada por Antonio Candido. “Galhofamente pensei comigo: ‘Eis aqui um Antonio Candido tradutor bissexto’”, lembra Giordano, que telefonou para o professor a fim de confirmar a autoria da tradução.

Tudo foi devidamente explicado. Quando a antologia foi planejada, ficou combinado que cada tradutor só poderia contribuir com um trabalho. Como a tradutora Esther Mesquita – irmã de Alfredo Mesquita (1907-1986), fundador da Escola de Arte Dramática (EAD), hoje ligada à USP – queria publicar os dois contos de Dorothy Parker que havia traduzido, pediu que o professor emprestasse seu nome para figurar como tradutor de Loura e Grandalhona. “O interrogado não viu inconveniente, até porque apreciava a competência de Esther em seu ofício”, escreve Giordano.

Mesmo não sendo o tradutor do conto de Dorothy Parker, Candido tem, sim, uma tradução de sua lavra em circulação, como revela Giordano: “Para os que desejarem conhecer a virtude de tradutor de Antonio Candido, impõe-se saiam à cata de uma peça de teatro, cujo nome ele me declinou, mas não anotei; para publicá-la, em que pesasse ser sua a tradução, careceu assiná-la em coautoria com um teatrólogo, por não pertencer aos quadros da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais”.

Antonio Candido, Mestre da Cortesia – Cartas a Cláudio Giordano, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 84 páginas, R$ 40,00.

Por Jornal da USP

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